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(Português) URGENTES!

 URGENTES – Julho de 2020

A anarquia produz diferenças e promove associações de anarquistas. Desde o encontro Libertário Outros 500, em São Paulo, no ano de 1992, o Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária), a Soma – Uma Terapia Anarquista e José Maria Carvalho Ferreira, que iniciaria a Associação Cultural A Vida e a revista Utopia, estabeleceram uma intensa relação amiga e generosa. Resultante deste acontecimento instaurador demos forma a diversas intervenções urgentes de cada um de nós e juntos.

O extraordinário momento em que o planeta se vê tomado com a chamada pandemia, uma medida sanitária, pela disseminação do novo coronavírus, expõe o instante propício para divulgarmos nossas análises singulares. Contestamos a realidade capitalista, o Estado e seus modos contínuos de governar em função de um reordenamento normalizador. É mais uma luta libertária no presente.

 

VIVER É FOGO!

Os efeitos do novo coronavírus acentuaram: as normalizações, o desenvolvimento sustentável sob a racionalidade neoliberal, os empregos a prestação de serviços via internet, as virtualizações governando a vida e a conduta moderada.

As práticas democráticas se consolidaram nas relações econômicas, sociais e culturais. Fortaleceram as variadas formas de segurança, como a nova versão para estado de sítio (o lockdown), o distanciamento social e o isolamento como prevenção e precaução. Pretendem salvar o capitalismo, as fronteiras de Estados, a propriedade, seus direitos e seu entendimento do biológico, do meio ambiente e do humano.

A ciência encontrou popularidade jamais experimentada. Ao seu lado, ampliaram-se as práticas de solidariedades filantrópicas e caridosas. Este matrimônio projetou os influenciadores digitais em busca do crescimento flexível, ainda que efêmero, do rebanho de seguidores.

Os influenciadores e seguidores disputam entre si, no espaço opinativo, um lugar de protagonismo para se empoderarem como celebridades e se apresentarem como autoridades respeitáveis. As redes digitais produzem pastores e súditos de variados matizes, compondo o pastorado horizontalizado, participativo e punitivo para a boa governança.

A produção da massa famélica tende a crescer de modo exponencial. É ela que contribui com o maior número de mortos. O novo coronavírus veio para o Ocidente na bagagem dos estratos superiores e se alojou entre pobres e miseráveis, cada vez mais desempregados e subservientes aos patrões e ao governo do Estado. Eles permanecem como sobreviventes do emergencial.

A sociedade está morrendo e não é só de coronavírus. A chamada pandemia revolveu o ritual funerário. Agora, apenas se enterra ou crema corpos humanos, empilhados ou não, em nome da saúde pública. O poder médico se estendeu para definir, em momentos de “pico” de internações, quem deveria viver ou morrer, segundo o restrito acesso aos equipamentos hospitalares. A ciência se dividiu na defesa de medicamentos de prevenção e de tratamentos terminais. A ciência e a saúde pública concordaram somente em um ponto: sem vacina não haverá solução sanitária. Até os templos religiosos fecharam, para o desespero dos sacerdotes!

A circulação de produtos via internet também foi multiplicada, caracterizando a gestão do imperativo do consumo. A liberdade, reduzida à liberdade de consumir, foi redimensionada à circulação diferencial dos produtos, mesmo alternativos, na aliança entre a senha e a cifra. A educação foi generalizada para os ambientes da vida e para a produtividade. A política ficou reduzida a recomendações à moderação e se distenderam as ações polícias

A vida é perigosa e exige que encaremos a sociedade que está morrendo. Escancaremos as potências da vida destemida e avessa a castigos, fronteiras, comunidades, normalizações, produtividades, política, polícias … A destruição de algo é sempre a construção de uma invenção. É inventar um espaço outro, uma vida outra. Viver a vida é não servir a nada nem a ninguém.

A vida libera forças indomesticáveis, pessoas inclassificáveis que se recusam a domesticar e a se domesticar: produz o escândalo. Nada brota do que está encarcerado. Viver é ser corajoso, destemido, visceral: só há vida no que escapa.

A vida depende de terra, água, ar e fogo. Terra para comer, ar para respirar, água para beber e fogo para incendiar. O humano se diferencia dos demais animais pelo seu instinto de revolta. A vida existe nos acontecimentos ingovernáveis que recusam autoridades estruturadas em hierarquias. Propiciam, no presente, a efetivação da vida libertária. Viver é fogo!

Núcleo de Sociabilidade Libertária / Nu-Sol

São Paulo, 20 de julho de 2020

MANIFESTO POR UMA VIDA OUTRA

A presença de diferentes pandemias entre humanos não é novidade. Muitas delas já dizimaram pessoas em todos os cantos e épocas. O que há de novo na emergência do Covid19 é sua disseminação em larga escala e em velocidade surpreendente. A atual pandemia escancara o que tornou-se a vida contemporânea: cidades abarrotadas, níveis extremos de pobreza e um modelo de vida predatório jamais visto. A coexistência entre os humanos e com outras espécies evidencia sua capacidade destruidora, procedente de um outro e mais antigo contágio: a exploração capitalista.

No bojo dos atuais acontecimentos, Estados de diferentes matizes e suas alianças inequívocas com o capital buscam adequar-se ao novo normal, como tem sido amplamente anunciado. Buscam-se soluções para manter a circulação de bens e serviços, esgarçando a virtualização da economia e das relações, e fazendo ainda mais atuais as narrativas de um mundo sustentável e ecologicamente limpo. Se faz crer na continuidade do vivo a partir da manutenção das mesmas práticas em vigor, agora renovadas em embalagens mais palatáveis e no apelo à economia verde.

Que ninguém se engane: a lógica capitalista será sempre a produção de um modo de vida arrogante e destruidor. Sua versão humanizada é neologismo para incitar e ampliar a participação no amplo arco das democracias representativas. Na mesma direção, o amálgama de práticas sob designações solidárias, reforçam as relações de dominação para se manter hierarquias e esconder a caridade por trás da cortina de fumaça das morais redentoras.

Diante de toda apologia ao novo amanhã e uma solidariedade sacralizada, os anarquismos explicitam outras formas de viver. Aquelas que surgem da mudança ética na relação de si consigo mesmo e de si com os demais, por meio de práticas de liberdade que garantam a cumplicidade como forma de cuidado.

Nossa crítica anarquista será sempre aquela que insiste em mostrar que não haverá vida livre a partir da lógica de domínio dos Estados e do capital. Afirmar uma vida outra, para nós, é separar-se radicalmente do mundo burguês, para então inventar associações que fazem deslocar a relação como o vivo sob uma perspectiva antiautoritária. Ela situa-se no aqui e no agora, e não no futuro redentor; em nossos corpos, e não no plano das ideias. Enfim, no que somos e no que fazemos de nós mesmo a despeito do que está posto.

 

Soma – uma terapia anarquista

Rio de Janeiro, 20 de julho de 2020

 

MANIFESTO ANARQUISTA DO SÉCULO XXI

A tragédia biológica e social causada pela epidemia decorrente dos efeitos perversos do Covid-19, mais uma vez, como em outros momentos históricos, demonstrou  que a espécie humana é, extremamente, vulnerável e é uma marioneta quando é controlada e governada pelo Estado, pelo capitalismo, cientistas, os especialistas da comunicação social onde imperam modelos de sociedade contrastantes, como são os casos conhecidos da democracia, socialismo, comunismo e do fascismo de todas as matizes, sem esquecer também a influência determinante dos deuses e das igrejas que decidem quem tem lugar no céu ou no inferno. Em abono da verdade, diga-se de passagem, que todas as tentativas anarquistas para extinguir esta anormalidade normalizada foram sempre abortadas.

Entre os vários elementos estruturantes da nossa vida quotidiana de miséria, escravidão e alienação, associadas à inexistência de criatividade e liberdade da espécie humana, em vez disso, emergem as vicissitudes da plasticidade social do mundo virtual assentes no papel crucial das Tecnologias de Informação e de Comunicação (TIC). Estas não somente virtualizam a quase totalidade do processo do trabalho e da organização do trabalho das organizações e instituições da sociedade, como também estão presentes nas esferas dos espaços-tempos de produção, distribuição, troca e consumo de bens e serviços imateriais ou analítico-simbólicos. Daqui podemos deduzir que das 24 horas que cada indivíduo dispõe por dia, uma parte substancial do mesmo é capturado e controlado pela acção virtual das TIC. Evidentemente que neste processo meramente competitivo é visível no mercado da economia virtual, tem as suas expressões mais significativas na produção de situações bastante críticas: desemprego, precarização da vinculação contratual, pobreza, exclusão social, etc.

Numa segunda dimensão também crítica, ao mesmo tempo que os efeitos estruturantes das TIC se revelam hegemónicos na vida quotidiana dos indivíduos, o espaço-tempo de intervenção da economia real clássica circunscrita ao processo de industrialização e de urbanização das sociedades perde o seu significado e a sua hegemonia centrada, exclusivamente, no crescimento económico e na criação de riqueza social de bens materiais de consumo corrente e duradouro. Por outro lado, o aquecimento global do planeta Terra associado ao aumento da camada do ozono e da poluição atmosférica vem pôr a nu os efeitos perversos dessa economia que se tem traduzido na destruição da água, ar, fogo e terra, elementos vitais de vida de todas as espécies animais e vegetais, incluindo a humana. No tempo concreto da nossa existência estamos em presença de uma economia manifestamente negativa, cuja potência e expressão básica se resume no poder da produção de morte e extinção dos elementos vitais de vida. Perante este descalabro estimulado pelo poder instituído, gestores e escravocratas de todas as matizes e defensores de modelos de sociedade contrastantes, os arautos das soluções miraculosas tornaram-se apologistas da economia verde ou da economia azul, enaltecendo estas como a solução de superação de todos os problemas de miséria, pobreza, desemprego, exclusão social e crise ambiental. Nada mais falacioso, pois estas no contexto das soluções do capitalismo nada mais são de que uma forma de expiação histórica ou de simulacro de um paradigma societal que caminha para o seu abismo. Estas alternativas deduzidas da economia azul ou da economia verde não resolvem a essência identitária da espécie humana com a natureza, na medida em que a perpetuação do capitalismo, do Estado e da civilização judaico-cristã, em quaisquer circunstâncias, sempre foram e sempre serão essência de morte e não de vida. No meu entendimento, em pleno século XXI, a anarquia só pode ser ou assumir-se como potência de negação da realidade que acabei de escrever.

Se pensarmos bem na emergência da nova pandemia circunscrita aos efeitos negativos do Covid-19, desde logo estamos sujeitos a situações de medo, ignorância, de risco e de incerteza que só favorecem a ação individual e coletiva das instituições e organizações do Estado e da sociedade civil no sentido da atomização, controlo e repressão da liberdade e da vida quotidiana dos indivíduos, sendo que estes encurralados nos dilemas da sobrevivência perante as hipóteses de vida e de morte provocados pela epidemia, esses mesmos indivíduos tornam-se também os fautores normalizados da sua própria tragédia biológica e social. Daqui emergem novos poderes oriundos da medicina e da industria farmacêutica, sem esquecer todos os poderes clássicos dos governos, das polícias, dos exércitos, dos cientistas de todo o tipo, cuja função consiste em educar e controlar os cidadãos comuns no sentido da normalização de uma vida sem sentido em acantonamentos de diferentes tipos, que mais não são de que uma diversidade de prisões físicas, mentais e psíquicas pandémicas à medida do medo e da ignorância de cada ser humano.

Esta perspectiva é a todos títulos atentatória para a essência da vida biológica e social de todas as espécies animais e espécies vegetais, porque a potência da vida só existe desde persistam laços de sociabilidade e socialização conjugados com a interdependência, complementaridade e identidade sistemáticas. Ora, o acantonamento numa casa comum ou num jardim zoológico não permitem que a liberdade, o amor, a amizade e a criatividade emerjam com naturalidade e, assim, vivificarem a vida em detrimento da morte.

Em função do que acabo de referir, sem querer deificar ou ideologizar a anarquia, ela é cada vez mais uma probabilidade histórica com valor heurístico imenso para impedir que a espécie humana e todas as outras espécies soçobrem no planeta Terra. Daqui extraio a lição que me ajuda a caminhar nesse sentido, considerando que: “Anarquia é um caos auto-organizado, sem deuses e sem amos. É só poderá ser uma probabilidade não linear no espaço-tempo do universo”.

José Maria Carvalho Ferreira

Bogarréus, 20 de Julho e 2020

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